15 julho 2012

@mor, de Daniel Glattauer

"Assunto: Fim da trégua!
Querida Emmi,
[...] Penso muito em você, de manhã cedo, ao meio-dia, no fim da tarde, à noite, entre esses horários, e logo antes e depois deles - e também durante eles.
Com todo o carinho,
Leo."
p. 73
Nestes dias tem feito um frio tremendo em São Paulo, daqueles que pedem meias quentinhas nos pés, um edredom e um bom livro que faça o tempo passar rapidamente. Assim, como quem nada quer, retirei @mor de uma de minhas prateleiras e comecei a leitura de maneira despretensiosa (já repararam como minhas últimas leituras andam sem pretensão), esperando para ver se todas as boas resenhas lidas desde seu lançamento se confirmariam... E creio que se confirmaram.

Emma Rothner é uma mulher jovem, bem-sucedida, que tem com a família uma relação harmoniosa, mais próxima do ideal de perfeição de qualquer outra à sua volta. Leo Leike, por sua vez, é um homem criativo, cativante e que está superando o fim de um relacionamento muito sério, o qual ele acreditava sinceramente que viria a tornar-se um casamento. À exceção de morarem na mesma cidade e serem de uma faixa etária semelhante, nenhum outro fator da vida dos dois seria forte o suficiente para que seus caminhos se entrelaçassem. Contudo, como a vida bem tem dos seus caprichos, quando Emmi manda um e-mail pedindo o cancelamento da assinatura da revista Like, acaba trocando o endereço por um bendito "e" que a põe no caminho do Sr. Leike, tendo este preferido, inicialmente, ignorá-la para não causar constrangimento. Até receber um segundo e-mail insistente para a revista - com ameaças das menos agradáveis - e um terceiro, que o faz responder à Sra. Rothner de maneira espirituosa. Até que, muito inconvenientemente, ela lhe chegue mais uma vez com uma mensagem de "Feliz Natal e Próspero Ano Novo", esta de muito mau gosto anexada a todos os seus contatos. Daí em diante, meio sem querer, os dois desconhecidos passam a trocar e-mails constantemente, falando sobre tudo e sobre nada, tornando-se íntimos de uma maneira utópica, real e fantasiosa, ao mesmo tempo.

Como era de se esperar de um romance epistolar, uma das características mais notáveis da narrativa de Daniel Glattauer é a velocidade. Rapidamente, tanto quanto é a própria internet e o contexto de e-mails e caixas de entrada em que a história dos dois se desenvolve, vamos nos envolvendo com o vínculo virtual que tecem e que, de alguma maneira, ultrapassa as barreiras do imaginário, enchendo-lhes a mente um do outro e de uma paixão que, através de palavras descompromissadas e papos metalinguísticos, revela-se avassaladora, destruidora e capaz de questioná-los acerca de diversos aspectos de suas próprias vidas.

Ao contrário do que se espera num livro repleto de e-mails, no entanto, a linguagem é tudo, menos pobre ou corriqueira. Verdade seja dita que todos aqueles que prezem por belas trocas de palavras têm aqui um banquete, justificado pelo alto nível cultural, tanto de Leo, que é professor e psicólogo da linguagem, quanto de Emma, apreciadora das belas-artes e webdesigner. Particularmente falando, apaixonei-me pela persona de Leo apenas por sua maneira tão rica e passional em se expressar, nunca escondendo seus sentimentos nem tampouco sua intelectualidade.

Falando das personagens, por sua vez, são outro charme natural deste @mor. O autor, aqui, teve que ser criativo o suficiente para manter o interesse de seu público ao longo de quase 200 páginas ao criar o ego de suas personagens, sem desviar, de maneira alguma, o foco do casal de amigos, desconhecidos, amantes, companheiros e tudo o mais que se possa imaginar. De minha parte, digo que Glattauer veio apenas para confirmar o quão favorável sou aos opostos complementares. Enquanto Emmi tem um comportamento quente, ansioso, impulsivo, vulgar e autossuficiente, Leo é manso, romântico, desapressado (mas não totalmente lento) e tolerante. Daí é provável que o leitor, em dado momento, crie com a mulher um sentimento de antagonismo. O que é altamente compreensível, embora eu acredite sinceramente que Emma seja uma daquelas personagens difíceis que mereçam ser compreendidas.

O romance aqui é eloquente, desesperado e polissêmico, podendo ser observado de diversos pontos de vista. Acima de tudo, é urgente e nos faz torcer fervorosamente para que os estranhos Leo e Emma enfim se encontrem, olhem-se nos olhos, toquem-se, sintam o cheiro um do outro... Até que uma reviravolta nos pegue de baixa guarda e deixe uma grande brecha para um segundo e último volume que vem por aí.

A qualquer coração apaixonado ou aos que estão fechados para balanço, recomendo a leitura desse romance autêntico e sutil em que se prova, mais uma vez, não haver origem exata nem razão adequada para o despertar de um grande amor.
"Você é tão rigorosa, Emmi. Não seja tão rigorosa. Eu não quero nenhum café. Eu quero Emmi. Venha até aqui. Vamos tomar uma tacinha de vinho. Podemos usar vendas nos olhos, como naquele filme. Não sei como se chama o filme, preciso pensar. Eu gostaria tanto de beijar você. Tanto faz como você é. Eu me apaixonei por suas palavras. Você pode escrever o que quiser. Você pode escrever sossegada com rigor. Eu amo tudo. Afinal você não é rigorosa mesmo."
p. 77

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